PERFIL Janguiê Diniz era pobre, ficou milionário, se diz vítima de inveja e identifica oportunidades como poucos
Cecília Ramos – Jornal do Commercio
“Laranja, picareta, mau caráter e metido com lavagem de dinheiro”. A lista de predicados foi feita por José Janguiê Diniz para enumerar o que ele sabe que falam dele. “E alguns dos que já me acusaram hoje tomam um vinho comigo. Não é engraçado?”.
O ar blasé, de quem leva pouco em conta o que os outros vão falar, é típico do empresário paraibano, de Santana do Garrote, que chegou ao Recife aos 14 anos, após viajar sete dias de Pimenta Bueno (Rondônia), para onde a família já havia se mudado. A viagem foi desacompanhada, de ônibus. O destino: o escritório de um tio advogado, Nivam Bezerra da Costa, seu único parente na capital, mas que nunca o tinha visto.
Disposto a vencer na vida, o menino José conseguiu trabalho com o tio e ganhava algum trocado para tarefas como datilografar. Foi morar em um galpão do parente na Rua Velha, no Centro do Recife, área que ele, três décadas depois, está dominando com a promessa de revitalizá-la, mas sem esconder seu objetivo central: lucrar. E muito.
Só este mês, Janguiê, fundador e acionista controlador do Grupo Ser Educacional – mantenedor das Faculdades Maurício de Nassau, Joaquim Nabuco, Fabac e do BJ Colégio e Curso – adquiriu dois edifícios, o Trianon e o Art Palácio, na Avenida Guararapes, onde já é proprietário de quase quatro prédios.
Janguiê é procurador do Tribunal Regional do Trabalho desde 1993. Está licenciado até setembro. E não vê conflito de interesses entre a função e os negócios. Ele recebeu o JC na terça-feira passada à tarde, em seu gabinete, num dos tantos edifícios do complexo da Maurício de Nassau, no Derby. De pronto, topou o pedido da reportagem de levá-lo para fazer fotos em seu mais novo xodó, a Guararapes. “Fui pego de surpresa! Só peço que a entrevista seja no trajeto para economizarmos tempo”, disse. Sem seguranças, apenas com uma assessora, Janguiê pegou os dois iPhones 4, pôs no bolso, e foi no carro do jornal até o Centro.
Solícito, fez poses a pedido do fotógrafo, desarrumou os cabelos compridos e lisos, diante do vento de final de tarde. Estava impecável, com calça social grafite, camisa preta e sapatos e cintos em um verniz reluzente. Tudo Hugo Boss. Ele também gosta de Armani e da sua coleção de relógios Mont Blanc. “Adoro me vestir bem. Escolho tudo”. Antes dos clicks, pediu uma pausa. Olhou para os seus prédios (três deles são instalações da Faculdade Joaquim Nabuco) e disse: “Dá orgulho ver meus prédios! Eu saí dali (apontou para a Rua Velha) e vim parar aqui!”.
De fato, Janguiê retorna ao bairro onde morou já tendo, aos 47 anos, amealhado uma fortuna pessoal ao fazer da educação profissional um grande negócio. Advogado, professor e escritor, o procurador é, acima de tudo, disseram afetos e desafetos, empreendedor nato.
Também na Guararapes comprou o lendário Bar Savoy. Vai virar Café Savoy, terá o famoso chope e cursos técnicos. “Desconfiado até da sombra”, contam alguns, Janguiê ressaltou que “não é da filosofia de ter sócio”. Dizem algumas línguas que no Café Savoy ele tem sociedade com Antônio Campos, Tonca, irmão do governador Eduardo Campos. O empresário desmente.
Janguiê está convicto de que empreender no Centro do Recife é uma grande sacada. “Estou investindo onde está o fluxo das classes C e D, ávidas pelo consumo”. De fato, em todo o País constata-se a expansão do consumo, impulsionado por esse público popular.
À reportagem, Janguiê pediu mais de uma vez: “Me ajude. Preciso que o prefeito João da Costa retire os ambulantes, pedintes das calçadas”. O empresário calcula que gastará mais de R$ 10 milhões para recuperar os Edifícios Trianon e Art Palácio.
“José Janguiê Bezerra Diniz é um engenheiro da educação no Brasil”, destacou o advogado e professor Inácio Feitosa Neto, 39 anos, em um artigo que virou prefácio de um dos dez livros que seu elogiado escreveu. Inácio é diretor acadêmico do Grupo Ser. A entrevista do diretor ao JC, por telefone, ocorreu um dia após boatos de que ele teria pedido demissão. Inácio negou e encerrou o assunto. “Estou afastado e ainda vou conversar com Janguiê. Independentemente de qualquer coisa, ele é muito meu amigo. Não tenho nada de negativo a dizer sobre ele”.
Inácio era aluno do jovem professor paraibano e tinha 21 anos quando o mestre chegou à sala de aula e perguntou quem queria trabalhar com ele. O aluno topou. E assim surgiu o Bureau Jurídico, pioneiro em cursos para concursos.
Mas o divisor de águas na vida financeira de Janguiê veio em 2005, quando ele ganhou a briga judicial contra a Universo, uma bolada de R$ 15 milhões, segundo o vencedor. Janguiê evita o episódio. “Não gosto de falar desse assunto, mas faz parte da minha vida”. O empresário conta que firmou uma sociedade com o então senador Welligton Dias (PMDB-MG), em 2000, para montar no Recife o campus da Universo. “Briguei com muita gente por essa instalação. A sociedade não deu certo. Eu saí em 2001, resume.
Em 2003, ressurge Janguiê com a Maurício de Nassau. Em oito anos, construiu um império. O Ser tem 40 mil alunos em 11 unidades espalhadas no Recife, Paulista, Caruaru, João Pessoa, Campina Grande, Natal, Maceió, Fortaleza e em Lauro de Freitas (BA). Trata-se do 12º maior grupo no ranking de instituições educacionais do Brasil. O maior sonho do dono é fazê-lo ocupar o topo. Hoje, tem 36 cursos e outros 30 em avaliação no Ministério da Educação (motivo de constantes idas de Janguiê a Brasília). “Hoje sou amigo de Wellington, um grande educador e empreendedor. E não vou negar, o dinheiro (R$ 15 milhões), alavancou meus negócios”, admite Janguiê. Wellington não retornou as ligações do JC.
A expansão do império Janguiê Diniz mira a educação, mas o professor é pragmático e busca a diversificação. Em maio, comprou 50% da paraibana Vão Livre Indústria e Construções S.A., especializada na construção e montagem de edifícios em estruturas metálicas. Em Suape, já possui uma área para fazer um centro de logística. Também adquiriu 50% da Agência Um Comunicação e este mês fundou a consultoria Contexto Estratégia Política e de Mercado. “Pernambuco tem muito a ser desbravado, mas não tenho tempo! Eu queria viver 300 anos!”.
Janguiê se considera necessário, insubstituível até. “É um bicho para trabalhar”, dizem dele. Mas alguns ponderam: “É um grande empreendedor, mas não é um bom gestor. Não valoriza o mérito de seus funcionários. Muitos saem do grupo profundamente insatisfeitos”.
O próprio Janguiê faz uma autoavaliação: “Eu sou frio, individualista, mandão, racional, não me apego”. E atribui as inimizades que fez a esse perfil. “As pessoas querem carinho e afeto e eu não dou. Estou me policiando para melhorar. Mas a vida foi muito dura comigo. Fui empurrado para ser só. Note que falo muito eu, eu e eu. Não é por mal é porque a vida me ensinou a contar só comigo”.
O seu primeiro empreendimento, conta, foi um caixote para engraxar sapatos. Depois vendeu picolé e laranjas. E falando na fruta… A despeito da atmosfera de irregularidades que paira sobre Janguiê (sem nenhuma comprovação, diga-se), ele garante, com desdém: “É inveja”. “As oligarquias pernambucanas não aceitam uma pessoa que veio de fora, sem um nome tradicional e de origem pobre, construir um imenso patrimônio pessoal, intelectual e material”.
Filho mais velho do casal de analfabetos Lourdes e João, o menino José conseguiu formar-se em direito e letras, tem mestrado, doutorado e especializações fora do Brasil. Fala inglês e francês. Aos 25 anos, época em que estudava para o concurso de juiz (e passou), teve tuberculose. Quando conseguiu juntar dinheiro, trouxe os sete irmãos para Recife e os ajudou a se formar. Todos estão empregados no Grupo Ser. Jânio é o presidente. O tio Nivam faleceu há dez anos. A biblioteca da Nassau leva o nome do “tio-pai” em homenagem. Por fim, Janguiê trouxe de Rondônia os pais. Conta que eles se separaram e que sustenta duas casas, além da dele. Como se dinheiro fosse problema.
Janguiê gosta do que é muito bom. Persegue a exclusividade. Acaba de comprar um Audi A7 Sportback. Será o único no Recife a ter o modelo, que ainda chegará ao Brasil. Rivalizará com possantes como o Porsche Panamera. Também comprou, por alguns milhões de reais, recentemente, um jato Phenom, igual ao do governo de Pernambuco, modelo de sete lugares. Janguiê tem uma réplica do aviãozinho na estante do seu escritório, repleto de fotos da família, obras de arte e muitos diplomas na parede.
Ele já é dono de um avião King Air (8 lugares), um Mercedes 500 e uma motocicleta Triumph, “única no Nordeste”. Fora os carros do filho e da esposa. Todos têm segurança pessoal e os carros são blindados. Tem uma luxuosa casa de praia em Muro Alto, de 1,7 mil metros quadrados e 87 obras de arte e uma casa em Gravatá. Adora jogar futevôlei na praia e às 7h da manhã está na academia, com seu personal trainer. É casado com Sandra, que administra o BJ Colégio e Curso. O casal tem três filhos: Thales, 19 anos, estudante de direito e funcionário do Ser, Elora, 12 anos, e Mel, 9.
Em meio a quatro horas de entrevista, ao ser instado a falar de política, disse admirar do ex-senador Marco Maciel ao líder do governo Dilma Rousseff no Senado, Humberto Costa. Também dispensou elogios ao ex-prefeito João Paulo e ao governador Eduardo Campos.
Janguiê conta que o convidaram para ser suplente de senador nas eleições de 2010. Não revelou nomes, mas no bastidor, seria do senador Armando Monteiro. “Eu não topei. Já pensei em disputar, mas tirei isso da minha cabeça. E digo mais: não contem com Janguiê na política nos próximos dez anos”.
O empresário diz ter muita sorte, mas, sem nenhuma modéstia, ressalta: “Eu trabalhei mais, eu me esforcei mais do que todo mundo. Enquanto estavam na balada eu estava estudando”, finaliza.